27/07/2010

FREUD E MELANIE KLEIN

APRESENTAÇÃO

“Estabeleci muitos princípios e lancei muitas sugestões... Posso esperar que tenham aberto caminho para um importante avanço em nossos conhecimentos. Algo surgirá deles no futuro” (Freud, in Autobiografia)
O grande anseio do homem – muitas vezes inconscientemente – é conhecer-se e entender a caminhada do seu existir e, conseqüentemente, se propor a buscar novas descobertas jamais pensadas e elaboradas por ele. Descobertas que se tornam necessárias quando se propõe buscar uma completude do ser que sonha realizar-se no deslumbramento do existir humano, puxando para o visível o desconhecido de si mesmo, o invisível.
Quando conhecemos a história das várias Escolas de Psicanálise – o que é absolutamente necessário e importante - descobrimos suas especificidades, conhecemos suas características de virtudes e imperfeições, e, assim, nos preparamos para definir e optar por uma visão atitudinal própria nossa, no exercício da profissão psicanalítica. Ou seja, ninguém que se propõe exercer a psicanálise – ou qualquer outra profissão de base científica - pode se eximir de entender e estabelecer os pontos convergentes e divergentes entre as escolas. Só assim estará fundamentando e se aprofundando o teórico e o técnico que contribua na práxis, que leve o ser humano na compreensão de si mesmo, através de sua análise pessoal.
A evolução da Psicanálise se deu a partir de reuniões com um seleto grupo de colaboradores de Freud em sua casa, para, de forma organizada, discutirem casos e trocarem idéias sobre os diversos temas psicanalíticos. Daí surgiria mais adiante a Sociedade Psicanalítica de Viena. Deste momento em diante, seriam vistos algumas dissidências e afastamentos que resultariam em novas escolas que dariam continuidade ao movimento psicanalítico, com algumas transformações e colaborações, sendo algumas delas mantidas até a idade contemporânea. Neste primeiro século de existência, vimos à evolução da Psicanálise em três estágios: a Psicanálise Ortodoxa, a Clássica e a Contemporânea.

Aqui destacamos as principais escolas psicanalíticas: Escola Freudiana, Escola dos Teóricos das Relações Objetais (M. Klein), Escola da Psicologia do Self, Escola da Psicologia do Ego, Escola Frqancesa de Psicanálise (Lacan), Escola de Winnicott e Escola de Bion.
O desenvolvimento das Escolas Psicanalíticas está ligada aos psicanalistas que, de uma forma ou de outra aceitaram os postulados metapsicológicos, teóricos e técnicos elaborados por Freud e legados a seus imediatos seguidores. A história da evolução da Psicanálise jamais pode “sabotar” a figura principal e marcante de Freud como o seu criador.
No estudo das diversas escolas buscamos o conhecimento, o entendimento e a orientação para o nosso pensar analítico, extraindo de cada uma aquilo que possa nos enriquecer como analistas. È natural e compreensível a multiplicidade e diversidade de vértices, convergentes e divergentes e, até contraditórios, mas é possível achar pontos que se integrem e que são reversíveis entre si.
Mas nos haveremos de restringir, apenas, às contribuições principais que se constituem na essência do pensamento psicanalítico. Por isso nossa exploração se baseará nas duas que julgamos mais representativas: Escola Freudiana de Sigmund Freud e Escola dos Teóricos das Relações Objetais de Melanie Klein. Enquanto Freud descobriu a disposição inconsciente do homem, M. Klein explorou seus mais profundos recessos.

ESCOLA FREUDIANA

“Estão aqui os restos mortais de um homem de quem se pode afirmar que antes dele, o mundo era diferente” (Stefan Zweig, no sepultamento de Freud)
“Nasci a 6 de maio de 1856 em Freiberg, na Morávia, pequena cidade situada onde agora é a Tchecoslováquia. Meus pais eram judeus, eu próprio continuei judeu”. Assim Sigmund Freud inicia uma pequena autobiografia. Era uma terça-feira, 18:30 horas. A esse menino, que se tornaria um gênio ilustre o pai, o senhor Jakob Freud (41 anos) deu o nome de Sigmund. Aos 4 anos seus pais o levaram para Viena, devido à guerra austro-italiana, onde se educou. Desde cedo demonstrou uma extraordinária agilidade mental, o que lhe permitiu, durante os sete primeiros anos de escola, ser sempre o primeiro aluno e passar de um curso a outro, em geral, sem precisar ser examinado em aula.
No final do curso secundário decidiu-se pela medicina, influenciado pelo que parece, ao ouvir falar, numa aula, sobre o estudo incomparável da natureza realizado por Goethe.
Mas não tinha nenhuma inclinação para seguir a carreira médica “e era movido, antes, para uma espécie de curiosidade dirigida para o gênero humano do que para objetos naturais”. Só não havia sido reprovado por uma influência ou do destino, ou de seus professores. Durante muito tempo vacilou entre o direito e as “ciências naturais”. A sua facilidade de palavra e uma preferência pela história geral e pelas humanidades pareciam orientá-lo para as ciências da alma.
Em Paris, Freud sofreu discriminação por ser judeu e queriam fazê-lo sentir-se inferior e estrangeiro por sua condição. Essa primeira impressão deixou em Freud marcas profundas que logo revelariam toda a sua importância, dado que o familiarizariam com o seu destino de caminhar em oposição e ser proscrito da “maioria compacta”.
Freud dedicou-se à pesquisa e com isso seu diploma de médico foi retardado, devido gastar grande parte do tempo como pesquisador incansável, dedicando quase que totalmente seu tempo ao aprofundamento das descobertas. Trabalhou nos laboratórios de fisiologia de Brucke e, em 1882, com 26 anos, ingressou como estagiário no hospital de Viena. Esteve no Instituto de Anatomia Cerebral dirigido por Meynert, autor de trabalhos que impressionaram a muitos, na sua época estudantil, quando fora da psiquiatria e da neurologia, pouca coisa da medicina parecia interessá-lo.
Foi-lhe proposto por Meynert que dedicasse à anatomia cerebral. Freud recusou a proposta e converteu-se no criador da Psicanálise, que nos seus mais de 100 anos de existência, embora conserve a invariância dos seus princípios básicos, vem sofrendo profundas transformações, por acréscimos, reformulações ou refutações.
Freud formou-se em medicina com brilhantismo aos 25 anos na Universidade de Viena, fazendo um longo aprendizado em neurologia. Pesquisava nervos de peixes raros, e investigou sobre a cocaína, publicando muitos trabalhos dessa área que obtiveram reconhecimento científico expressivo. Foi nomeado professor de neuropatologia, e o fato de ter obtido o “Prêmio Goethe de Literatura” lhe possibilitou viajar a Paris para conhecer o trabalho de Charcot, que aplicava as técnicas hipnóticas. Voltando depois à França, para Nancy, para aprofundar técnicas hipnóticas, através das demonstrações de Bernheim. E é, através das experiências realizadas com estes dois cientistas, que Freud começa a perceber a existência de processos psíquicos bastante fortes, mas ocultos, da consciência humana – e que viriam, logo depois, a servir de fundamentação para a sua teoria do inconsciente.
“As circunstâncias em que o trabalho de Freud começou e foi levado a efeito, isto é, sua origem na Medicina, influenciou, sem dúvida sua perspectiva; por exemplo, na sua fase inicial, estava excessivamente absorvido com as diferenças entre a mente “normal” e “mórbida”, e isso em alguma extensão pode ter mais tarde desviado sua atenção das leis gerais que em essência ele reconhecera” (cf Joan Riviere in Os Progressos da Psicanálise)
Nesse entremeio, Freud chegou a descobrir alguns estudos sobre a propriedade da cocaína como medicamento anestésico e depressivo. Nesse tempo a cocaína era liberada na sociedade. Todavia, a aplicação lhe trouxe uma “bela de uma confusão”
Freud passou a empregar a técnica da hipnose na sua clínica privada e se deu conta de que não era um bom hipnotizador, substituindo esse recurso por técnicas que promovessem uma “livre associação de idéias” que possibilitassem um acesso às repressões inconscientes das pacientes histéricas. Foi aí, segundo suas próprias palavras, que nasceu a psicanálise. Foi trabalhando esses fatos que Freud construiu a psicanálise, trabalhando com pacientes despertas, utilizando o divã, ao mesmo tempo em que insistia com estímulos e pressionando-lhes a fronte delas com seus dedos, e as mesmas eram obrigadas a associarem “livremente” na tentativa de recordarem o trauma, que realmente tivesse acontecido, mas estaria esquecido devido à repressão. Acabou descobrindo, através do tratamento de uma de suas pacientes Elizabeth Von R., que a associação livre funcionava sem a opressão. Freud concluiu que as barreiras contra o recordar e associar eram provindas de forças mais profundas inconscientes, e que funcionavam como verdadeiras resistências involuntárias. Isto constituiu-se como uma marcante ruptura epistemológica, levando Freud a cogitar que essas resistências correspondiam a repressões daquilo que estava proibido de vir à consciência, ou seja, ser lembrado, não só de traumas sexuais realmente acontecidos como também daqueles que foram frutos de fantasias reprimidas.
Ao chegar 1906, Freud já havia lançado as sementes essenciais do edifício psicanalítico, como foram as noções da descoberta do inconsciente dinâmico como principal motivador da conduta consciente das pessoas, o fenômeno da “livre associação de idéias”, a importância dos sonhos como via régia de acesso ao inconsciente, a sexualidade da criança, estrutura em torno da cena primária e do complexo de Édipo, o fenômeno das resistências e, por conseguinte, das repressões, a transferência, e a presença constante de dualidades no psiquismo; como a dos dois tipos de pulsões, assim como do conflito psíquico resultante de forças contrárias, do consciente versus inconsciente, princípio do prazer e o da realidade, processos primário e secundário, dentre outras dualidades mais.
A conclusão de Freud foi de que o conflito psíquico é resultante do embate entre as forças instintivas e as repressoras, sendo que os sintomas se constituíram como sendo a representação simbólica deste conflito inconsciente. Esta concepção inaugura a psicanálise como uma nova ciência, com referências teóricas-técnicas próprias, específicas e consistentes.
No meio destas pesquisas científicas aconteceu o seu casamento (1882) com Marta Bernays, filha de um dos rabinos mais importantes do mundo judaico. Durante esse período de noivado, eles só chegaram a se encontrar seis vezes, pois passaram a maior parte do tempo morando em cidades distantes. A correspondência postal era o único meio possível de comunicação. Essas caras, que depois vieram a ser publicadas, serviram de importante documento para a compreensão das principais idéias que Freud vinha desenvolvendo no início de suas pesquisas.
A evolução histórica da Psicanálise pode ser dividida e esquematizada exclusivamente nas contribuições originais de Freud, “Teoria do Trauma” , “Teoria Topográfica”, “Teoria Estrutural”, “Conceituações sobre o Narcisismo” e “Dissociação do Ego”. Resumindo estes estágios, conforme descrição de Zimerman, in Fundamentos Psicanalíticos:
Teoria do Trauma: Freud “partindo da concepção inicial de que o conflito psíquico era resultado das repressões impostas pelos traumas de sedução sexual, que realmente teriam acontecido no passado, e que retornavam sob a forma de sintomas, postulou que os neuróticos sofrem de reminiscências”, e que a cura consistiria em “lembrar o que estava esquecido”.
Teoria Topográfica: Diante da insuficiência da teoria anterior, Freud propôs a divisão da mente em três “lugares” (topos): Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente, “sendo que o paradigma técnico passou a ser: “tornar consciente o que estiver no inconsciente”. “A divisão do psíquico num psíquico consciente e num inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão freqüentes quanto graves da vida psíquica e de fazê-los entrar no âmbito da ciência” (Freud).
Teoria Estrutural: Com o tempo, Freud se chocou com a restrição da teoria estrutural e sua estaticidade, assim “ampliou-a com a concepção de que a mente comportava-se como uma estrutura no qual distintas demandas, funções e proibições, quer provindas do consciente ou do inconsciente, interagiam de forma permanente e sistemática entre si e com a realidade externa”. Dessa forma, ele concebeu a estrutura composta pelas instâncias do Id, do ego e do superego. Freud afirmava: “Onde houver id (e superego), o ego deve estar”. E ele mesmo ainda disse: “Podemos dizer que, na vida psíquica, o ego representa a razão e a prudência, enquanto o id representa as paixões desenfreadas”.
Conceituações Sobre o Narcisismo: Não é bem uma teoria. Mas esta conceituação abriu mais o entendimento para a compreensão do psiquismo primitivo. “De acordo com o pensamento mais vigente entre os autores, pode-se dizer que, na atualidade, um importante paradigma da psicanálise atual pode ser formulado como “onde houver Narciso, Édipo deve estar”.
Dissociação do Ego: Ao estudar “a cisão ativa intrassistêmica, que ocorre no próprio seio o ego e não unicamente entre as instâncias psíquicas. Daí, os autores posteriores desenvolveram uma concepção inovadora da conflitiva intrapsíquica da “parte psicótica e da parte não psicótica da personalidade”.
Método de Associação Livre – a grande descoberta para a técnica analítica. Segundo Freud aí nasceu a psicanálise. Ele descobriu e começou a convencer-se de que o conteúdo das neuroses possui uma origem sexual, e que tanto a hipnose como o método catártico de Breuer não apresentaram resultados satisfatórios em todos os pacientes. Aí é que Freud entra com o método da associação livre que consiste em deixar o paciente livre para falar o que vier à mente. E as associações das idéias como são expostas, levam o analista a fazer as interpretações a fim de que seja trazido à consciência o trauma responsável pela origem das perturbações nervosas.
Mais tarde em um outro estudo “Três Contribuições Para Uma Teoria Sexual” foi desenvolvida a tese de que a natureza da neurose era de origem sexual. Aqui estão algumas afirmações do mestre: “Por detrás dos fenômenos da neurose, não são quaisquer emoções afetivas que agem, mas sim, regularmente, emoções de origem sexual, sejam elas conflitos sexuais atuais ou, então, conseqüências de acontecimentos sexuais anteriores”. E: “O instinto sexual é, idubitavelmente, a fonte mais poderosa de persistentes aumentos de excitação (e, conseqüentemente, de neurose)”. Mais: “A grande maioria das neuores das mulheres tem sua origem no leito nupcial”.
Associação livre consistia em associar livremente as idéias que lhe surgissem espontaneamente na mente e verbalizá-las ao analista, sem julgá-las em ser importantes ou não. Essa regra foi aplicada, em princípio, com ele mesmo (Freud) em sua auto-análise desde 1894 quando da análise dos seus sonhos, descobrindo através de propiações das cadeias associativas. Mas só por volta de 1896 ele instituiu categoricamente esse método associativo. Quando sua paciente Emmy Von N. o pediu para que a deixasse falar livremente sem ser pressionada para associar “livremente”. O que inspirou Freud no método de associação livre de idéias foi a escola de Zurique, e Jung por terem desenvolvido o teste de associação verbal.

Sem nenhuma dúvida, Freud descobriu uma técnica mais eficaz para o tratamento das neuroses, a associação livre, depois de já ter exercitado outras como: a hipnose e a sugestão. A associação livre facilitou muito a constatação das manifestações de repressões e resistências em seus pacientes. Com a sua chegada, a associação livre se tornou a mais nova e referenciada e aceita no processo psicanalítico. Esta descoberta contribuiu para que Freud fosse considerado “Pai da Psicanálise”.
Esta técnica para ser aplicada não exigia nenhuma sofisticação, simplesmente um consultório, uma cadeira, um divâ. O mais importante: uma atitude de interesse pelo problema do paciente e o esforço no sentido de ajudá-lo a resolver. A postura era de escuta. Com o falar do paciente, ele pode perceber a importância do “associar livremente” que levava o paciente a falar mais do que pretendia, e ele tendo acesso ao material previamente inconsciente, podendo perceber claramente a melhora de seus pacientes. Para ele isto era estímulo para buscar uma teoria que pudesse explicar os fatos descobertos por ele.
Assim, sua teoria foi largamente ampliada. Para Freud a premissa básica é de que os sintomas dos pacientes eram determinados por relacionados com experiências psicológicas, tanto anteriores como do aqui-agora, além de refletirem fatores hereditários, constitucionais e físicos. Seu método de investigação e exploração foi aplicado a si próprio tendo uma larga experiência dessa aplicação.
Atualmente, o movimento freudiano propriamente dito tem por sede a tradicional Sociedade Britânica de Psicanálise estruturada por Ana Freud sua primeira seguidora, e onde ele ocupa um lugar especial, e exerce, ainda, uma influência muito forte no pensamento psicanalítico e goza de alta respeitabilidade.
Se por um lado, no meio psicanalítico encontram-se direções estranhas ao pensamento original de Freud, um grande número de psicanalistas, em todo o mundo, mantêm uma plena fidelidade científica a Freud. E, ao contrário do que poderia parecer, nos últimos tempos, as concepções originais do mestre estão sendo objetos de forte estudo, estão se expandindo e ganhando vitalidade, à medida que estão sendo descobertos verdadeiros tesouros psicanalíticos contidos no “Projeto de uma Psicologia Científica”, de 1895, que ficou escondido ou esquecido durante algumas décadas.
SÍNTESE

Na busca da compreensão da teoria freudiana, e no acompanhamento de suas idéias, como grande mestre empenhado na compreensão do psiquismo e na busca da verdade, enxergamos um Freud de uma coragem sem limitações. Foi ele de uma tremenda ousadia de saber. E o conhecimento de suas idéias nos faz entender o processo – às vezes dolorido -experimentado e criado por ele para a construção do sedutor edifício da psicanálise.
A consistência deste projeto está na compreensão de sua complexa personalidade, procurada por ele mesmo, através da sua submissão à auto-análise. Quem o conhece sabe de sua luta árdua na obtenção de seu auto-conhecimento e do esforço para conseguir penetrar nas profundas regiões da alma. Ele também precisou quebrar muitas resistências, originadas no contexto familiar, na hereditariedade, na cultura e na ciência de seu tempo histórico.
A qualidade do nosso exercício de ajuda ao outro pela psicanalistas exige de nós também a coragem de, continuamente, nos submetermo-nos à auto-análise. Por esta, conhecemos as nossas resistências, as limitações de nossa personalidade e de que não somos diferentes de nossos analisandos. Somente sabendo explorar e compreender as origens e potencialidades das forças (resistências) presentes em nós, nos capacitaremos no sentido de enfrentá-las e, consequentemente, compreender a caminhada do nosso semelhante e ter para ele uma atitude de ajuda na busca do "vir a ser”.
O processo da técnica psicanalítica consiste na observação de mudanças importantes que ocorrem frente aos procedimentos técnicos e nos processos terapêuticos, mudanças essas que vão dando gosto à vida e prazer de viver. A psicanálise, no próprio pensamento de Freud, é um instrumento eficaz de cura, dependendo da vontade e perseverança do analisando e da habilidade e sensibilidade do terapeuta.
A Psicanálise é um ramo da ciência; segue seu próprio caminho, como ele (Freud) sabia e esperava; como disse Freud, “as possiblidades de desenvolvimento nela inerentes resistirão a toda oposição”

ESCOLA KLEINIANA

ITEM 1 - Introdução
Quando falamos do desenvolvimento da psicanálise posterior a Freud, nunca, jamais, podemos passar pela vergonha de não citar Melanie Klein, que ao final da década de 20 chega com suas concepções revolucionárias, que amparadas na sua prática de análise com crianças de muito pouca idade, “convergem para uma posição essencialmente “seio-cêntrica” (Zimerman).
A escola kleiniana valorizou sobretudo, a existência de um ego primitivo já desde o nascimento, a fim de que este mobilizasse defesas arcaicas – dissociações, projeções, negação onipotente, idealização, etc. – para contra-arrestar as terríveis ansiedades primitivas advindas da inata pulsão de morte, isto é, da inveja primária, com as respectivas fantasias inconscientes. “Talvez para não se comprometer politicamente com Freud e seus fiéis seguidores, M. Klein conservou o complexo de Édipo como o eixo central da psicanálise, porém o fez recuar para os primórdios da vida, assim descaracterizando o enfoque triangular edípico, medular da obra freudiana” (Zimerman).
Joan Riviere, in Introdução Geral ao Os Progressos da Psicanálise, sintetiza: “As principais descobertas de Melanie Klein relacionam-se com as fases mais primitivas da vida mental, nas quais ela encontra em ação mecanismos mentais (divisão, projeção, etc.) muito semelhantes aos dos distúrbios psicóticos, outro aspecto de sua obra que suscita forte resistência emcional”
ITEM 2 - Breve biografia
Melanie Klein, considerada um dos três gênios que a psicanálise já produziu, nasceu em Viena no ano de 1882, em uma família pobre, sendo a quarta filha. Sua pai, na época de seu nascimento, tinha 50 anos; era médico judeu ortodoxo, estudioso do Talmud. Sua mãe, uma mulher bonita, corajosa, trabalhava para ajudar no provento da família. Ao longo de sua existência, Melanie Klein sofreu uma sucessão de severas e traumáticas perdas ao longo da vida. Aos 5 anos, perdeu uma irmã. Seu irmão Emmanuel que sofria de uma cardiopatia, cuja enfermidade a influenciou a estudar a medicina, cuja decisão não foi adiante , tendo optado pelo casamento aos 17 anos e desistindo do curso pré-médico. Estudou história e artes em Viena. Quando ela tinha 20 anos, morreu seu irmão Emmanuel com 25 aos. Ele era pianista e dedicava-se a artes. Melaine Klein casou-se aos 21 anos com Artur Klein, um químico, e com ele teve 3 filhos, e de quem veio a separar-se.
Em 1934, morre o seu filho Hans, num acidente de alpinismo. Outro fato traumatizante foi a ruptura pública que a sua filha Mellita, psicanalista, moveu contra Melanie Klein, com ataques violentos e levaram-nas a um afastamento entre elas. Melanie Klein morreu em Londres, no ano de 1960, com 78 anos de idade.
Foi quando residia em Budapeste que Melanie Klein teve um primeiro contato com a psicanlálise através da leitura de um texto de Freud, com o qual ela se sentia identificada e ficara impressionada.. Mesmo tornando-se admiradora e fã de Freud, não conseguiu ter um contato direto com ele.
Ela fez análise pessoal com Frenczi, a mesma fora interrompida por ocasião da segunda grande guerra mundial, na época que provocara inúmeros incidentes.
Por ocasião do contato com Ferenczi, Melanie foi fortemente influenciada e como leitora entusiasta das obras de Freud, em 1916, iniciou sua carreira de psicanalista de crianças numa Policlínica de Budapeste.
ITEM 3 – Introduzindo o signficado de M. Klein

O estudo de Melanie Klein é estímulo para buscar a compreensão do ser humano, já no início de sua vida pós-natal. A observação dos adultos e o emprego da técnica psicanalítica a induziram a investigar os estágios iniciais do desenvolvimento infantil. O trabalho dela, tomando como base a teoria psicanalítica de Freud, foi criar a técnica de brincar com as crianças e, através do brinquedo, compreendê-las. Sua teoria muito pôde contribuir para a teoria psicanalítica dos primeiros estádios evolutivos do desenvolvimento.

Hinshelwod, in “Dicionário do Pensamento Kleiniano”, na introdução, escreve: “Os conceitos kleinianos versam a respeito de elementos muito primitivos da mente humana, afastados do senso comum e bastante semelhantes às inapreensíveis partículas da física subatômica. Os blocos de construir são poucos, mas erigidos em complexidade fantasticamente rica. Diferentemente das partículas subatômicas, contudo, a matéria da mente é potencialmente cognoscível pelo indivíduo. Ele é uma mente, num sentido diferente da maneira pela qual ele é uma estruturação maciça de elétrons e prótons. Algo disto é cognoscível àqueles que podem inquirir de si mesmos, com ou sem a ajuda de seu próprio analista. É impossível, em palavras escritas, transmitir um senso de compreensão, mas simplesmente um conhecimento a respeito de conceitos que o leitor deve levar avante, consigo mesmo e sozinho”
Grande parte da teoria kleiniana é teoria clínica e as teorias que os pacientes têm a respeito de suas próprias mentes constituem a base das teorias kleinianas da mente. “Essa ênfase em tomar a experiência subjetiva do paciente a sério com freqüência tendeu a causar confusão, especificamente porque a linguagem do sujeito e a linguagem do observador representam discursos tradicionalmente separados na psicologia “científica”
A formação do pensamento kleiniano, diferentemente da do Freud, tem algumas características próprias:
1- Klein chegou à vida profissional, e à psicanálise, tarde em sua vida, e, devido a isso – bem como, provavelmente, por razões localizadas em sua própria personalidade – lutou continuamente para estabelecer-se de modo seguro, posição que constantemente lhe fugia .

2- Klein, como todos os inovadores, foi afortunada em descobrir-se de posse de uma nova técnica que lhe permitiu um alcance muito maior em sua área de descobertas do que qualquer pessoa antes dela. “Ela vibrou com o poder de sua técnica através do brincar e ficou entusiasmada para demonstrar a utilidade dela” (Hinshelwod).

3- Outro elemento de vulto no pensamento de Klein foi a importância concedida às “relações objetais”, que lentamente surgiram da ênfase crescente dada a um aspecto especial do relacionamento analítico: a transferência.

ITEM 4 – Sua característica contribuitiva para a psicanálise
Em 1919, ela escreve: “O Desenvolvimento De Uma Criança” que serviu como sendo o trabalho que a titulou como membro da Sociedade Psicanalística da Hungria. De 1920 a 1925 Melanie Klein fez análise com K. Abraham, o qual ficara impressionado com o talento dela. A análise fora interrompida pela morte inesperada de K. Abraham. No mesmo ano de 1925, Melanie Klein fora convidada por Ernest Jones para pronunciar algumas conferências em Londres, causando forte impacto e entusiasmo em muitos psicanalistas britânicos. Tal acontecimento a levou a fixar residência definitiva e onde trabalhou como psicanalista pelo restante de sua vida. Organizando em torno de si uma verdadeira nova escola de psicanálise.
Pelos idos de 1926, ela expôs pela primeira vez, de forma sistemática, suas concepções sobre os brinquedos, contribuindo grandemente com a técnica psicanalística, tendo como base, o conteúdo psicológico das mentes de suas pacientes, tal como surgira no material.
Melanie Klein, em análise com crianças nos primeiros anos de vida, aplicou seus pontos de vista concernentes aos estádios iniciais de desenvolvimento da criança, também à psicologia dos adultos. Mas suas conclusões contribuíram à teoria geral psicanalítica dos primeiros estádios evolutivos do indivíduo.
A contribuição de Melanie Klein, se baseia no acervo de conhecimentos que Freud transmitiu e aplicando as descobertas dele, ela pode ter acesso à mente de crianças muito pequenas e foi assim que ela pode analisá-las e curá-las.
ITEM 5 – Melanie Klein x Freud (?)

Freud desenvolveu sua teoria psicanalítica a partir da observação de adultos, enquanto Melanie Klein elabora seu pensamento através da observação de ciranças. Conforme sua observação, postula que tanto o complexo de Édipo quanto o SUPEREGO estão estabelecidos em uma fase muito mais remota da vida do indivíduo do que se presumia até então. Estudos posteriores contribuíram para o melhor entendimento do complexo de Édipo, posição depressiva e, finalmente, sobre a posição esquizo-paranóide, o que tornou mais claras as ligações de sua obra com a de Freud, e facilitaram o acompanhamento psicológico do indivíduo desde sua infância mais remota.

A observação direta dos primitivos processos de desenvolvimento a levou às atuais conclusões teóricas. Tais conclusões confirmam o que Freud havia adquirido de conhecimentos, analisando adultos e constituem uma tentativa para entender esse conhecimento. As descobertas de Melanie Klein, que foram bem sucedidas, acrescentarm algumas pedras ao crescente edifício do conhecimento psicanalítico.

Tal contribuição foi possível porque a construção feita sobre o saber freudiano permite novas contribuições que acrescem novos pilares para o conhecimento psicanalítico.
Klein era privilegiada por grande sensibilidade para o inconsciente e o simbolismo e de uma notável intuição no que se refere à mente infantil, o que a possibilitou compreender o psiquismo infantil. Pôde dar o melhor de si a serviço da psicanálise, sendo influenciada pelo Dr Karl Abraham e Dr Sander Ferenczi. Eles a introduziram na psicanálise e a fizeram compreender a verdadeira essência e significado desta ciência.
Melanie Klein tem um papel preponderante no sentido de fixar ou reformular determinados conceitos de Freud, nos quais ele mesmo não parece muito firme ou definido. Por este comportamento, Klein enfrentou oposição da parte dos fiéis seguidores do mestre. Vamos tentar lembrar alguns, - propositadamente estamos dizendo “alguns” - sem tentar trabalhá-los. É preciso entender que, M. Klein foi muito fâ de Freud. Em nenhum momento foi seu interesse contradizer ou “destruir” o Pai da Psicanálise. Mas como investigadora do pensamento enriquecedor de Freud, ela quer trazer mais consistência teórica para garantir a confiabilidade da Psicanálise. Em muitos momentos Freud se mostrou indeciso em suas próprias teorias como o da sua postulação dos instintos de vida e de morte, no seu conceito de transformação direta da libido em ansiedade. O problema da ansiedade se constituiu em uma divergência fundamental entre M. Klein e os escritos de Freud. Outros pontos foram objetos de controvérsia entre estes dois pilares da Psicanálise: as práticas e as teorias do desenvolvimento primitivo, a questão do desenvolvimento do ego
ITEM 6 – Conhecendo seu pensamento básico

Hanna Segal, in “Introdução à Obra de Melanie Klein”, com base na obra “The Psyco-Analysis of Children”, apresenta uma síntese do pensamento de Klein que nos faz entender a sua significação no contexto do pensamento da psicanálise, passando pela fantasia inconsciente e o crescimento psicológico.

É destaque a apresentação dos fenômenos nas posições esquizo-paranóide e depressiva. O termo “POSIÇÃO” traduz o que Freud chama de fases de desenvolvimento. Especificamente, as “posições” caracterizam as subdivisões do estádio oral. Ou seja, os primeiros três a quatro meses de vida correspondente à posição esquizo-paranóide, e a segunda metade do primeiro ano de vida à posição depressiva

Na posição – fase – esquizo-paranóide a criança não reconhece o outro como “pessoa”, mas só objetos parciais, e nesta fase prevalece os processos de divisão (splitting) e de ansiedade paranóide. Quando o bebê reconhece a mãe como uma pessoa total, é o início da posição depressiva, a qual se caracteriza pela integração, ambivalência, ansiedade depressiva e culpa.

Melanie Klein, ao escolher o termo “posição”, procurou explicar melhor a relação do indivíduo com o objeto, as ansiedades e defesas que estão presentes durante toda a vida. A posição depressiva nunca supera totalmente a esquizo-paranóide. Nos estágios posteriores, o indivíduo, diante de problemas da vida, poderá sempre assumir uma destas posições.

Algumas ansiedades paranóides e depressivas são constantes e ativas na personalidade. Mas quando o EGO se relaciona com a realidade, os mecanismos neuróticos substituem os mecanismos psicóticos. Assim, Melanie Klein considera a neurose infantil um mecanismo de defesa contra as ansiedades paranóides e depressivas subjacentes, bem como uma maneira de vinculá-las e elaborá-las.

Enquanto se consolida o processo de integração, iniciado na posição depressiva, a ansiedade diminui, a reparação, a sublimação e a criatividade tendem a substituir os mecanismos de defesas neuróticos psicóticos. Até aqui, a síntese do livro de Hanna Segal.

ITEM 7 – Navegando na sua teoria
Melanie Klein nos seus estudos e aprofundamento progressivo da mente do bebê, ia tomando consciência da espantosa complexidade dos processos que operam em grande parte, simultaneamente,, nos primeiros estágios do desenvolvimento. Neste estudo, ela procurou elucidar alguns aspectos da vida emocional da criança durante o seu primeiro ano de vida, e destacou aqueles que dão maior ênfase às ansiedades, defesas e relações objetais.
Melanie considerou os primeiros três ou quatro meses de vida, enquanto Freud, no estudo do processo de desenvolvimento da criança, considerava a partir dos 4 anos. No primeiro trimestre, o bebê experimenta a ansiedade proveniente de fontes internas e externas, e que a atividade interna do instinto de morte dá origem ao medo de ser aniquilado e esse aniquilamento é a causa primária da ansiedade persecutória. Nessa fase a criança sofre o desconforto e dor pela perda intra-uterina, que é sentida pelo bebê como agressão por forças hostis, isto é, como perseguição e exposto a privações, causando-lhe ansiedade. Para Klein a relação objetal é iniciada com a presença da mãe e a amamentação do bebê; esse é um dos pilares da sua teoria.
Melanie Klein faz duas considerações importantes para: posição esquizoparanóide e posição depressiva.
A posição esquizoparanóide, como sendo vivenciada por volta de três a quatro meses de idade da criança, traz uma luz sobre a teoria kleiniana e produz grandes vantagens, concernentes a dar início numa fase bem primitiva e a partir daí poder descrever o crescimento psicológico do indivíduo, e acompanhá-lo a cada estágio, demonstrando o seu desenvolvimento de uma maneira muito especial, na análise da criança.
Na consideração de Klein, num certo sentido, tanto a posição esquizoparanóide e a posição depressiva constituem fases de desenvolvimento. Podendo considerá-las subdivisões do estágio oral. Neste período a criança experimenta a ansiedade proveniente de fontes internas e externas, e uma ansiedade persecutória e que geralmente faz a mente perturbada e dificultadora da passagem para a posição depressiva. Esta posição esquizoparanóide caracteriza-se pelo fato de as crianças não tomarem conhecimento das pessoas, e o relacionamento se mantém nos objetos parciais, e pela prevalência dos processos de divisão (splitting) e de ansiedade paranóide.
A hipótese de que as primeiras experiências resultantes da amamentação do bebê e da presença da mãe iniciam uma relação objetal parcial, isto é, os impulsos oral-libidinais e oral-destrutivos desde o começo da vida, dá a entender que estas primeiras experiências são, particularmente, dirigidas para o seio materno. Supõe-se existir sempre uma interação, embora em várias proporções, dos impulsos libidinais e agressivos, correspondendo à fusão dos instintos de vida e de morte.
Se a criança está satisfeita, suprida pela amamentação, registra-se um equilíbrio ótimo, entre os impulsos libidinais e agressivos. Esse equilíbrio é perturbado, sempre que a criança passa por privações provenientes de forças internas ou externas que contribuem para reforçar os impulsos agressivos. Quando é alterado o equilíbrio entre libido e agressão da origem, surge a emoção chamada avidez, predominantemente, de natureza oral. Com o aumento da avidez há um fortalecimento dos sentidos de frustração, consequentemente. O reforçamento dos impulsos agressivos. Nos bebês, que possuem um componente agressivo inato forte, a ansiedade persecutória, a frustração e a avidez são facilmente provocadas, contribuindo para a não tolerância de privação do bebê em lidar com a ansiedade. Surgindo daí o vigor dos impulsos libidinais, fornecendo a base constitucional para a intensidade do desejo. São as experiências de gratificação e frustração ocorrendo repetidas vezes que constituem os estímulos para os impulsos libidinais e destrutivos, para o amor e o ódio.
Ocorrendo aí o sentimento do seio “bom” e amado. E à medida em que for fonte de frustração, será odiado e sentido como “mau”. Isto se dá pela falta de integração do ego, assim como dos processos de divisão dentro do ego e em relação ao objeto. Com base na teoria, acredita que nos três ou quatro meses de vida o bom e o mau objeto não se distinguem completamente um do outro na mente da criança. Para o bebê, o seio da mãe tanto no aspecto do bom como do mau, parece fundir-se, com a presença física materna; e a relação com ela como pessoa, é, assim, construída gradualmente desde o estágio primitivo.
Os bebês experimentam gratificação e frustração provenientes de fatores externos. Uma série de processos endopsíquicos, primordialmente, a introjeção e a projeção contribui par a relação dupla com o primeiro objeto. Quando o seio é bom e o gratifica, o bebê projeta os seus impulsos de amor. Quando o seio é frustrador (mau) o bebê projeta os seus impulsos destrutivos. Dentro dele são estabelecidos pela introjeção um seio bom e um seio mau. Assim, a imagem do objeto externo e internalizado, é destorcida na mente da criança através de suas fantasias que estão vinculadas à projeção de seus impulsos no objeto.
Vários fatores contribuem para o bebê sentir-se gratificado, assim como o alívio da fome, o prazer de mamar, a ausência de desconforto e tensão, isto é, de privações, e a experiência de ser amado, todos esses atributos do seio bom. A frustração, o desconforto são atributos do seio mau.
O processo de desenvolvimento do bebê acontece, como verificamos, na situação entre objeto gratificador e frustrador, onde verificamos ansiedade e alívio da ansiedade persecutória que influi essencialmente nesses processos. Podemos supor que, quando a ansiedade persecutória é menos forte, a divisão é menos profunda, e o ego é capaz, em certa medida, de gerar os sentimentos para com um objeto. A integração pode concretizar no momento em que o amor em relação ao objeto predominar sobre os impulsos destrutivos. Isto é: quando o instinto de vida ter predominância sobre o instinto de morte onde a tendência do ego para integrar-se pode ser considerada uma expressão do instinto de vida.
Em suma: os sentimentos de amor pelo objeto (seio) e os impulsos destrutivos dá origem à ansiedade depressiva, culpa e o desejo urgente de proceder à reparação do amado e danificado objeto, seio bom. Nesse estágio a capacidade do ego para realizar a integração ainda é muito limitada; por isso essa integração é efêmera. Por isso, está presente a força da ansiedade persecutória e dos processos de divisão que se encontram no auge. No processo do desenvolvimento ocorre as experiências de síntese e, em conseqüência, de ansiedade depressiva que se tornam mais freqüentes e duram mais, fazendo parte do processo de integração. Ocorrendo também a síntese das emoções contrastantes para com o objeto, torna-se possível diminuir a ansiedade constituindo uma condição fundamental para o desenvolvimento normal, dentro dos processos que alternam entre integração e desintegração. Cabe desenvolver integralmente um ego mais integrado, com capacidade crescente para enfrentar a ansiedade persecutória. O bebê, aos poucos vai transformando a relação feita com partes do corpo da mãe, focalizando o seio e gradativamente passando a relacionar-se com a mãe como pessoa.
Todo o processo que, no início de vida está presente, pode ser considerado da seguinte forma:
- O ego tem alguns rudimentos de integração e coesão progredindo nessa direção. Desde o começo da vida pós-natal ele desempenha algumas funções fundamentais; assim, usa os processos de divisão e de inibição dos desejos instintivos como defesas contra ansiedade persecutória, que é sentida pelo ego desde o nascimento.

- As relações objetais, que são modeladas pela libido e agressão, pelo amor e o ódio, e impregnadas, por uma parte de ansiedade persecutória e por outra parte pelo corolário da reafirmação onipotente e tranqulizadora que deriva da idealização do objeto.

- A introjeção e projeção, vinculações à vida de fantasia do bebê e a todas as suas emoções. Os objetos internalizados de boa e má natureza, que vão dar origem ao superego.

Quando o ego fica mais apto a suportar a ansiedade, os métodos de defesa alteram havendo um crescente sentimento de realização da mais vasta gama de gratificações, interesses e relações objetais. Os impulsos destrutivos e a ansiedade persecutória decrescem de poder; a ansiedade depressiva ganha em vigor e atinge o clímax, ocorrendo a mudança apara a posição depressiva infantil.
O segundo trimestre do primeiro ano de vida é caracterizado por mudanças no desenvolvimento intelectual e emocional do bebê. Nesse período, a sua relação com o mundo externo - pessoas e coisas - ganha maior diferenciação e aumento no âmbito de suas gratificações e interesse, e aumentando, também, o poder de expressar suas emoções e comunicar com as pessoas. Todas essas mudanças são observáveis e dão prova do gradual desenvolvimento do ego.
Desta forma torna-se possível a relação com o mundo externo. E outras funções do ego desenvolvem-se, havendo também a organização sexual da criança em progressão. Aumentam de vigor as tendências uretral, anal e genital, predominando, nesse período, os impulsos e desejos orais. Verifica-se, nesse período, um aumento de diferentes fontes de libido e agressão, que dão novo colorido á vida emocional infantil; e destaca-se uma série de novas situações de ansiedade; ampliam-se as fantasias, tornando-as mais elaboradas e diferenciadas; e ocorrem mudanças notáveis na natureza das defesas. A relação com a mãe como pessoa ganha vigor, e a criança pode perceber e introjetar a mãe e o pai como pessoas totais.
Para ela, a integração alcançada não é completa e a posição depressiva não supera a posição esquizoparanóide. As defesas contra o conflito depressivo podem provocar uma regressão aos fenômenos esquzoparanóide, ocasionando oscilações entre uma posição e outra.
Melanie Klein considera que a posição depressiva ocupa um papel importante no desenvolvimento primordial da criança, e normalmente por volta dos cinco anos de idade, quando a neurose infantil se finda já houve uma modificação acentuada nas ansiedades persecutória e depressivas.
Melanie Klein foi pioneira das seguintes concepções originais – cf Zimerman, in Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise -:
1 – Criou uma técnica própria de psicanálise com crianças e introduziu o entendimento simbólico contido nos brinquedos e jogos.
2 – Postulou a existência de um inato ego rudimentar, já no recém-nascido.
3 – A pulsão de morte também é inaa e presente desde o início da vida sob a forma de ataques invejosos e sádico-destrutivos contra o seio alimentar da mãe.
4 – Essas pulsões de morte, agindo dentro da mente, promovem uma terrível angústia de aniquilamento.
5 – Para contra-arrestar tais angústias terríveis, o incipiente ego do bebe lança mão de mecanismos de defesa primitivos, como são a negação onipotente, dissociação, identificação projetiva, identificação introjetiva; idealização e denegrimento.
6 – Concebeu a mente como um universo de objetos internos relacionados entre si através de fantasias inconscientes, constituindo a realidade psíquica.
7 – Além dos objetos totais, ela concebeu os objetos parciais (figuras parentais representadas unicamente por um mamilo, seio, pênis, etc.)
8 -–Postulou uma constante clivagem ente os objetos (bons x maus; idealizados x persecutórios) e entre as pulsões (as construtivas, de vida, versus as destrutivas, de morte).
9 – Concebeu a noção de posição – conceitualmente diferente de fase evolutiva – e descreveu as agora clássicas posições esquizo-paranóide e a depressiva.
10 – Suas concepções acerca dos mecanismos arcaicos do desenvolvimento emocional primitivo permitiram a análise com crianças, com psicóticos e com pacientes regressivos em geral.
11 – Para não ficar descompassada com os princípios ditados por Freud, conservou as concepções relativas ao complexo de Édipo e ao superego, porém as situou em etapas bastante mais primitivas do desenvolvimento da criança.
12 – Juntamente com os ataques sádico-destrutivos da criança, com as respectivas culpas e conseqüentes medos de retaliadores ataques persecutórios, postulou a necessidade de a criança, ou o paciente adulto na situação analítica, desenvolver uma imprescindível capacidade para fazer reparações.
13 – Deu extraordinária ênfase à importância da inveja primária, como expressão direta da pulsão de morte.
14 – Como decorrência dessas concepções, promoveu uma significativa mudanças na prática analítica no sentido de que as interpretações fossem sistematicamente transferenciais, mais dirigidas aos objetos parciais, aos sentimentos e defesas arcaicas do paciente, e com uma ênfase na prioridade de um analista trabalhar na transferência negativa.
GLOSSÁRIO
Para entender Melanie Klein – copiado de Hanna Segal, in Introdução à Obra de Melanie Klein


ANSIEDADE – considerada como sendo a resposta do EGO a ação do instinto de morte. Quando o instinto de morte é defletido, toma duas formas principais: ANSIEDADE PARANÓIDE, devida à projeção do instinto de morte num objeto ou objetos que, então são experimentados como perseguidores. É a ansiedade de que esses perseguidores aniquilem o ego e o objeto ideal. Origina-se na posição esquizo-paranóide. ANSIEDADE DEPRESSIVA: é ansiedade de que a própria agressividade aniquile ou tenha aniquilado o objeto bom. É experimentada em relação ao objeto em relação ao ego, que, em identificação com o objeto, se sente ameaçado. Origina-se na posição depressiva, quando o objeto é percebido como objeto total e o bebê experimenta sua própria ambivalência. ANSIEDADE DE CASTRAÇÃO: é principalmente de tipo paranóide, originando-se na projeção que a criança faz de sua própria agressividade; contudo, também pode conter elementos depressivos; por exemplo, ansiedade de perder o própria pênis como órgão de reparação.

COMPLEXO DE ÉDIPO PRIMITIVO: é a relação edipiana experimentada pelo bebê a partir do início da posição depressiva. É experimentada em termos pré-genitais, antes de a genitalidade ser alcançada.

CULPA: é a compreensão penosa de haver danificado o objeto ou objetos amados. Origina-se na posição depressiva, quando se experimenta ambivalência em relação aos pais, percebidos como objetos totais. Os pais ambvvalentemente amados, introjetados na posição depressiva, formam o núcleo do superego.

DEFESAS MANÍACAS: desenvolvem-se na posição depressiva como defesa contra a experiência da ansiedade depressiva, da culpa e da perda. Baseiam-se na negação onipotente da realidade psíquica, e as relações de objeto caracterizam-se por triunfo, controle e desprezo.

DEPRESSÃO: é um estado da mente em que, parcial ou totalmente, s experimentam sentimentos penosos da posição depressiva. Pode ser reação normal a experiência de perda ou reação patológica de caráter neurótico ou psicótico.

DIVISÃO (splitting): pode envolver o ego e o objeto. A primeira divisão ocorre entre o eu (self) bom e o eu (self) mau, e o objeto bom e o objeto mau. A deflexão do instinto de morte envolve divisão entre a parte sentida coo contendo os impulsos destrutivos e a parte sentida como contendo a libido.

IDEALIZAÇÃO: é um mecanismo esquizóide, em conexão com divisão (splitting) e negação. As características indesejáveis o objeto são negadas e a própria libido da criança é projetada no objeto. Embora pertencendo primariamente à posição esquizo-parnóide, a idealização pode ser usada como parte das defesas maníacas contra ansiedades depressivas.

IDENTIFICAÇÃO: é sempre considerada como produto de processos introjetivos ou projetivos. IDENTIFICAÇÃO INTROJETIVA, é o resultado da introjeção do objeto no ego, o qual, então se identifica com algumas ou com todas as suas características. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA é o resultado da projeção de partes do eu (self) no objeto. Pode ter como resultado não só o fato de que se perceba o objeto como tendo adquirido as características da parte projetada do eu (self), mas também o de que o eu (self) se torne identificado com o objeto de sua projeção.

A identificação projetiva patológica é resultado de uma diminuta desintegração do eu (self)( ou de partes do eu (self), que, então, são projetadas no objeto e desintegradas; resulta na criação de "objetos bizarros".

INVEJA PRIMITIVA (ou primária): é experimentada pelo b ebê principalmente em relação ao seio que o alimenta. É possivelmente a primeira manifestação externa do instinto de morte, já que ataca o que é sentido como sendo a fonte da vida. INVEJA PRIMITIVA OU PRIMÁRIA EXCESSIVA: é um importante fator em psicopatologia.

MUNDO INTERIOR: é o resultado da ação da fantasia inconsciente, na qual se introjetam objetos, construindo-se dentro do ego um mundo interno complexo; neste, os objetos internos são sentidos como estando em relação dinâmica uns com os outros e com o ego.

OBJETOS BIZARROS: são o produto de identificações projetivas patológicas, nas quais o objeto é percebido como dividido (split) em fragmentos bastante diminutos, contendo cada um uma parte projetada do eu (self). Os objetos bizarros são experimentados como estando carregados de grande hostilidade.

OBJETOS TOTAIS: descrevem a percepção de outra pessoa como uma pessoa. A percepção da mãe como um objeto total caracteriza a posição depressiva. O objeto total contrasta tanto com o objeto parcial como com objetos divididos (split) em partes ideais e persecutórias. A ambivalência e a culpa são experimentadas em relação a objetos totais.

OBJETOS INTERNOS: são objetos introjetados no ego

OBJETOS PARCIAIS: são objetos característicos da posição esquizo-paranóide. O primeiro objeto parcial experimentado pela criança é o seio. Em breve, outros objetos parciais são experimentados, a começar pelo pênis. OBJETO IDEAL (seio ou pênis): é experimentado pelo bebê na posição esquizo-paranóide, como resultado da divisão (splitting) e da negação da perseguição. Todas as experiências boas da criança, reais e fantasiadas, são atribuídas a esse objeto ideal, que ela anseia possuir e com o qual anseia identificar-se. OBJETO MAU (ou perseguidor): é experimentado como resultado da divisão (splitting) na posição esquizo-paranóide. Nele é projetada toda a hostilidade do bebê e todas as experiências más são atribuídas às suas atividades. OBJETO BOM : refere-se geralmente ao seio ao pênis, tal como experimentados na posição depressiva no relacionamento com experiências boas. È sentido como fonte de vida, amor e bondade, mas não é ideal. Reconhecem-se suas más qualidades e, em contraste com o objeto ideal, pode ser experimentado com frustrador; é sentido como sendo vulnerável a ataques e, portanto, muitas vezes é experimentado como estando danificado ou destruído. O seio bom e o pênis bom são sentidos como pertencendo respectivamente à mãe boa e ao pai bom, mas podem ser experimentados antes que a relação doe objeto total esteja plenamente estabelecida.

PAIS COMBINADOS: trata-se de uma figura de fantasia dos pais combinados na relação sexual. Origina-se quando o pai não é plenamente diferenciado da mãe e seu pênis é sentido como parte do corpo da mãe. Quando surgem ansiedades edipianas, essa fantasia é reativada regressivamente, como modo de negar a relação sexual dos pais. Em geral, é experimentada como figura terrificante.

PERSEGUIDORES: são ojetos nos quais uma parte do instinto de morte foi projetada. Dão origem à ansiedade paranóide.

POSIÇÃO DEPRESSIVA: tem início quando a criança reconhece sua mãe como objeto total. Trata-se de uma constelação de relações de objeto e ansiedade, caracterizada pela experiência da criança de atacar a mãe ambivalentemente amada e de perdê-la como objeto externo e interno. Essa experiência dá origem a sofrimento, culpa e sentimento de perda.

POSIÇÃO ESQUIZO-PARANÓIDE: trata-se da primeira fase de desenvolvimento. Caracteriza-se pela relação com objetos , pela prevalência da divisão (splitting) no ego e no objeto, e pela ansiedade paranóide.

REALIDADE PSÍQUICA: a experiência da realidade psíquica é a experiência do próprio mundo interno, incluindo a dos impulsos e a dos objetos internos.

REPARAÇÃO: atividade do ego que tem como finalidade restaurar o objeto amado ferido. Surge na posição depressiva como reação às ansiedades depressivas e à culpa. A reparação pode ser usada como parte do sistema de defesas maníacas; nesse caso, adquire as características maníacas de negação, controle e desprezo.

SENTIDO DE REALIDADE: trata-se da capacidade de experimentar a realidade psíquica como tal e de diferenciá-la da realidade externa. Envolve a experiência simultânea e a correlação dos mundos interno e externo

BIBLIOGRAFIA
1- CLARET, Martin – O Pensamento Vivo de Freud – MARTIN CLARET - 1984
2- HINSHELWOOD, Robert – Dicionário do Pensamento Kleiniano – Metrópole – Porto Alegre 3- KLEIN, Melanie – Psicanálise da Criança – Editora Mestre Jou – Sâo Paulo – 1981
4- RIVIER, Joan – Os Progressos da Psicanálise – Zahar Editores – Rio de Janeiro - 1982
5- SEGAL, Hanna – Introdução à Obra de MelaineKlein – IMAGO – Rio de Janeiro - 1975
6- SEGAL, Hanna – Introdução à Obra de Melanie Klein – IMAGO – Rio de Janeiro – 1975
7- ZIMERMAN, David E. – Fundamentos Piscanalíticos – ARMED – Porto Alegre – 1999
8- ZIMERMAN, David E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise – ARMED – Porto Alegre – 2001
Postado por: Euler P. Campos