07/05/2012

JESUS E O REINO DE DEUS


Marcos – o evangelista – resume a pregação de Jesus, na Galileia em uma frase: “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho” – Mc 1:15.

Todo o programa do Messias está contido nestas poucas palavras que, depois de indicarem a ideia fundamental do cristianismo – o estabelecimento do reino de Deus na terra -, assinalam as condições preliminares e essenciais da saúde que o messias trouxe: a fé e a conversão. Que profundidade na primeira proposição: O tempo está cumprido!

O que significa, porém, o reino dos céus ou o reino de Deus, cujo estabelecimento Jesus, depois de João Batista, os apóstolos com seu Mestre – Mt 10:7; Lc 10:9 – e também depois dele, não cessariam de pregar e propagar com todas as suas forças? Por ser elemento principal da doutrina pregada pelo Salvador, importa explicar sua natureza.

Acabamos de mencionar duas expressões que encontramos nos evangelhos. Comecemos por examiná-las. A primeira, reino dos céus, é encontrada apenas no evangelho de Mateus (há trinta e uma referências). Marcos e Lucas só empregam a segunda expressão, reino de Deus. Em Marcos, há quinze referências; em Lucas, trinta e duas; em Mateus há cinco – Mt 6:33; 12:28; 19:24; 21:31.43; em João, duas – Jo 3:3-5; 18:36; em Atos dos Apóstolos, seis – At 1:3; 8:12; 14:22; 19:8: 20:25; 28:23.31; nas epístolas de Paulo, oito – Rm 14:17; 1 Co 4:20; 6:9-10; 15:50; Gl 5:21; Cl 4:11; 2 Ts 5:1.

Graças a isto, vemos que a ideia deste reino celestial e divino constitui o alicerce da revelação evangélica. O reino de Deus foi o tema das primeiras pregações de Jesus, do qual falou frequentemente em toda a sua vida pub liça, e deste mesmo assunto falou aos seus discípulos horas antes de sua morte – Mt 26:29; Mc 14:25.

Nenhuma dessas duas expressões oferece dificuldade. O reino dos céus é, conforme já ensinaram os mais antigos escritores da Igreja, um reino instituído pelo céu, que se inclina e conduz ao céu. É celestial por sua origem, por sua finalidade, por suas leis, por sua consumação e, finalmente, por seu Rei, que é o Rei eterno dos séculos.

O reino de Deus, bem distinto dos reinos da terra, é um reino fundado por este supremo Senhor; um reino no qual só ele exerce legítimo senhorio. Mas convém observar que a palavra grega reino, calcada na hebraica malkut, teria sido melhor traduzida aqui por governo ou reinado, em vez de por reino.

Do reinado de Deus e de seu governo real, foi, pois, o que Jesus quis falar, pelo menos na maioria das vezes.
Costuma-se admitir que as duas expressões reino dos céus e reino de Deus são equivalentes, pois Mateus usa as duas sem fazer nenhuma distinção entre elas. Conforme o parecer dos melhores intérpretes, a primeira expressão, reino dos céus, é a forma primitiva que Jesus empregou mais frequentemente, e era então muito comum entre os judeus. Marcos. Lucas e Paulo a modificaram levemente, a fim de torna-la mais int4eligível aos cristãos greco-romanos.

O reino dos céus é uma ideai religiosa fundamental que foi enunciada de maneira simples nos livros do Antigo Testamento e se desenvolveu logo, com muita rapidez, e quase sempre e de modo perigoso, nos escritos rabínicos, para manifestar-se, finalmente, em plena luz da Nova Aliança.

Um simples olhar na literatura religiosa de Israel, e depois nos evangelhos, convence-nos desse triplo fato. É, em primeiro lugar, verdade averiguada que a ideia de reinado absoluto de Deus harmoniza-se com o conteúdo do Antigo Testamento em todas as fases de sua história. Esse domínio se mostra desde o princípio da existência do mundo. Assim que Deus criou os seres humanos livres, capazes de conhecê-lo e amá-lo, passou a existir imediatamente de fato um reino cujo único Senhor era ele, Deus. Tudo era seu e dependia de sua providência. Foi, a princípio, um reino santíssimo, enquanto Adão e Eva permaneceram submissos às ordens divinas; mas, infelizmente, devido à desobediência do primeiro casal, o pecado entrou nesse reino.

O mundo teria sido transformado em reino de Satanás se o Criador, por sua imensa misericórdia, não tivesse providenciado remédio para salvar a mísera linhagem humana, essa “massa estragada”, conforme a chamou Agostinho. Graças ao plano divino, o reino de Cristo começou em um sentido amplo, com a primeira profecia messiânica – Gn 3:14-15. Mas houve dois longos períodos de preparação: o dos patriarcas e o da teocracia judaica.

Durante a época patriarcal o reino de Deus esteve como que latente na alma daqueles que o livro de Gênesis chama de filhos de Deus – Gn 6:2. Depois, manifestou-se mais claramente na teocracia, quando Senhor resolveu escolher os hebreus como seu povo predileto e estabeleceu um concerto com eles, no Sinai. Uma aliança solene por meio da qual, bem antes desse período, o Senhor reinou sobre eles de modo particularíssimo. Foi o próprio Deus quem ditou a Moisés a legislação pela qual queria governá-los. Ao longo de sua história, renovou-lhes suas ordens por intermédio dos profetas. Seus líderes foram juízes e reis que “se sentavam no trono do reino de Jeová”, em seu nome e como seus representantes. O governo divino era o fundamento de toda a teocracia. O Senhor tinha seu palácio no templo de Jerusalém, e os sacerdotes e os levitas eram seus primeiros-ministros.

No entanto, sobretudo desde Davi, esta ideia se particularizou ainda mais, e o reino de Deus se apresentou mais ostensivamente como sendo o reino do Messias, cujo esplendoroso quadro as profecias esboçaram. Segundo essas profecias, haveria de ser um reino espiritual, desembaraçado de qualquer elemento político ou terreno e tão vasto como o mundo, pois todos os reis da terra e todas as nações seriam iluminados com sua luz. Mesmo no tempo das humilhações Fo deserto, quando tudo parecia para sempre perdido, os profetas proclamaram o futuro restabelecimento desse reino venturoso – Dn 2:44; Jr 3:13-17; 30:16-23; Sf 3:8-20; Zc 14:9.

Depois do exílio, a noção de reino dos céus tornou-se mais viva do que nunca. Os rabinos o mencionavam com frequência, os livros apocalípticos o invocavam com veemente desejos. Em sua devoção da manhã e da tarde, todo israelita piedoso orava, e ainda ora, usando uma fórmula por meio da qual toma sobre si o jugo do reino. O reino dos céus estava no pensamento de todos; dele se falava em todas as conversas; era uma ideia corrente.

Temos, porém, comprovado, fartamente, em diversas ocasiões, como essa ideia havia sido falsificada gradualmente. Contudo, algumas almas santas a haviam conservado em toda a sua pureza, mas em muitos casos de modo incompleto, antes que Jesus a propusesse solenemente.

Não era, pois, difícil entender o Salvador, quando ele faz ressoar por toda a Galileia o evangelho do reino, porque essa boa nova já havia sido anunciada há muito tempo e, um pouco antes dele, por seu precursor João Batista, que o fizera com ardente zelo. Mas era necessário consertar aquilo que se tinha enveredado pelo mau caminho no espírito do povo. Era necessário levar á perfeição p que era bom. Era necessário erguer a esferas superiores aquilo que ainda não havia sido revelado em toda a sua extensão. E, para isso, voltar ao magnífico ideal dos profetas e, ainda, ultrapassá-lo.

Por isso, Jesus, rejeitando as mesquinhas e vulgares ideais da maior parte dos seus compatriotas, desembaraçando a noção do reino de Deus das quimeras da escatologia judaica, protestando singularmente contra a pretensão dos fariseus e dos escribas de dar às esperanças messiânicas uma tendência puramente exterior e política e de transformá-las em monopólio da nação judaica, ele não cessou de manifestar sua natureza espiritual e sua índole universal.

Basta recordar alguns textos que, entre outros muitos do mesmo gênero, destacam esta dupla condição. À pergunta de Pilatos: Tu és rei? – Jo 18:37 -, Jesus deu resposta afirmativa, mas acrescentou que seu reino não era deste mundo – Jo 18:36; antes de tudo, era um reino interior, que se refere ao espírito e ao coração. Daí que as obrigações impostas aos cidadãos de seu reino sejam principalmente espirituais e consistam em qualidades morais e em virtudes, como se pode ver pelas bem-aventuranças, por todo o conjunto do Sermão do Monte e de outras passagens dos evangelhos – Mt 18:4. Daí também que este reino se estabeleça, antes de tudo, na alma, e não por conquistas exteriores.
A universalidade desse reino não é menos evidente. Somente Satanás e seus anjos não poderão entrar nele. O direito de preferências para o ingresso de entrada neste reino havia sido reservado aos judeus, como povo teocrático. Mas Jesus os adverte, assim como antes havia feito João Batista, de que, se eles não cumprissem as condições requeridas, o reino de Deus lhes seria tirado e dado a uma nação que desse fruto – Mt 21:43. E essa nação seria formado por pagãos e pecadores, cujas vidas seriam transformadas – Mt 21:31.

Em outra parte, na doutrina do Salvador, o reino dos céus se apresenta com relação ao seu estabelecimento, como algo presente e já fundado, bem como um acontecimento futuro. A expressão é, pois, complexa, por causa de sua própria riqueza. Mas é fácil distinguir seus vários aspectos, que manifestam outros tantos aspectos do reinado descrito por Jesus.

A fundação real do reino data do instante em que o nosso Senhor Jesus Cristo começou a pregá-lo. Por isso, Jesus afirmou: O Reino de Deus não vem com aparência exterior: Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Ei-lo ali! Porque eis que o Reino de Deus está entre vós – Lc 17:20-21. Em outro lugar disse: Desde os dias de João batista até agora, se faz violência ao Reino dos céus, e pela força se apoderam dele – Mt 11:12. E prosseguiu com seus comentários: Em verdade vos digo que qualquer que não receber o Reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele – Mc 10:15.

Contudo, como o reino divino estava destinado a alcançar um crescimento cada vez maior, Jesus o descreveu melhor também como uma realidade futura em várias parábolas do reino que representam os progressos mais ou menos rápidos deste crescimento – Mt 13:24-3-33; Mc 4:26-29. A plenitude do reino de Deus só alcançará a sua consumação no período que hoje se costuma chamar de escatológico, porque será no fim dos tempos, quando Cristo retornar glorioso para o juízo final – Mt 19:28-19; 22:29-30; 24:29-35; Mc 13:24-34; Lc 21:25-33; Jo 5:28-29.

Nesse tempo, quando a morte e o pecado já estiverem destruídos, e a natureza inteira estiver regenerada, Cristo, conforme a doutrina de Paulo – 1 Co 15:24-28 -, resignará seus poderes – sem deixar de ser rei – nas mãos de seu Pai celestial, e o reino de Deus brilhará em todo o seu resplendor, em toda a sua santidade, e sua duração será eterna.

Enquanto esperamos por esta venturosa eternidade, o reino de Deus, se apresenta aqui na terra. Um reino cujas primeiras bases Jesus estabeleceu durante sua vida mortal, como uma poderosa organização: usa Igreja. Jesus assentou os fundamentos dela sobre uma rocha inabalável: ele próprio – Mt 167-18.

Jesus deixou seus apóstolos como líderes – sob a proteção do Espírito Santo e de sua sábia lei. O Senhor Jesus dotou a Igreja com sua graça e prometeu-lhe assistência até o fim – Mt 28:20. A Igreja lutará com e por Jesus até transformar-se em uma Igreja triunfante e viva para sempre, junto dele, feliz e gloriosa.

A Igreja lhe pertence, já que Jesus é o seu fundador e a dirige dos céus. Por isso, a ele é atribuído, ao lado de seu Pai, o governo deste reino, um reino real, cuja história acabamos de descrever – Mt 16:28; 20:21; Ef 5:5; Cl 1:13; 2 Tm 4:1.

Tais são os principais aspectos do reino anunciado por João Batista e por Jesus Cristo. Uma análise de 119 passagens, em que se acham expressões reino dos céus e reino de Deus demonstra que elas significam, em conjunto, o governo divino, tal como fora revelado em e por Cristo, e tal como se apresenta visível na Igreja.

A Igreja se desenvolve pouco a pouco, apesar dos obstáculos que encontra, mas triunfará plenamente quando ocorrer o segundo advento de Cristo e, por fim, alcançará sua perfeição no mundo futuro. Convocamos o reino de Deus em todas essas formas, e fazemos isso muitas vezes, durante todos os dias, sempre que repetimos a formosa oração que Jesus nos ensinou: Venha o teu reino – Mt 6:10; Lc 11:2.

Por: Pr Euler P. Campos- maio de 2012